
Crônica da Queima
Escultura.
Materiais: cerâmica, cascas de árvore e carvão vegetal.
14 x 38 cm
2025
Queria ter trazido
os tocos de verdade.
Aqueles que ficaram pelo caminho:
— o da Amazônia, cortado pra virar cerca;
— o do Cerrado, que virou brasa no churrasco de grileiro;
— o da Mata Atlântica, que ninguém viu cair.
Mas minhas mãos são testemunhas fracas.
Não chegam onde o trator chegou.
Então fiz um toco de mentira –
de argila, de raiva, de memória roubada.
É falso como título de terra sem demarcação.
É frágil como lei que não se cumpre.
o toco queimei na fogueira
e o que você não vê queimar no noticiário
são a mesma coisa.

Esta peça é um arquivo do fogo. O cilindro de argila, texturizado como madeira e submetido a duas queimas (a doméstica do forno de baixa temperatura e a selvagem da fogueira), torna-se um corpo político e que fala de um país queimado — das queimadas na Amazônia ao fogo que consome memórias indígenas e arquivos históricos. O vazio central é deliberado: é o que fica após o incêndio, seja ele ecológico, social ou cultural.

ESTA PEÇA É UM BOLETIM METEOROLÓGICO DO COLAPSO.
Em 2024, o Cerrado perdeu 28% a mais de vegetação nativa que em 2023 (MapBiomas).
Os focos de calor na Amazônia bateram recorde em abril/2025: 1.119 queimadas em 72h (INPE).
Ailton Krenak alerta: ‘Estamos assistindo ao suicídio da terra em câmera lenta – e aplaudindo.’
Enquanto isso, o Congresso Nacional reduziu em 62% o orçamento de fiscalização ambiental (SIAFI/2025).
O fogo que transformou esta argila é o mesmo que :
— Queimou uma reserva no Mato Grosso onde 76% das queimadas foram criminosas (Polícia Federal/2024);
— Incendiou uma casa no Vale do Javari (onde 3 indígenas Yanomami morreram sufocados em 2025).
As cascas que abraçam o toco são relíquias de um tempo em que árvores viviam mais que governos.
Eliane Brum atualizou a frase: ‘O Brasil não é um país em chamas – é a fogueira onde o mundo assa seu pão podre.’
O vazio central é um relatório do IPCC ignorado:
— 40% da biodiversidade do Pantanal foi extinta em 10 anos (Revista Nature, mar/2025);
— Cada hectare queimado elimina 9 toneladas de água do ciclo hidrológico (ANEEL).
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2025 é o ano-limite do Acordo de Paris para redução de emissões (meta já descumprida pelo Brasil);

